domingo, 10 de fevereiro de 2008

Resmungos tortos no feriado dos Faroupilhas

Na história do RS não há nada mais estúpido, irracional e imbecil que a guerra dos farrapos. Qual foi o motivo da guerra – dez anos? Quem batalhou, quem morreu, quem venceu? A guerra em função de quem e para que? Os peões de estância, os negros escravos montaram suas montarias com suas espadas afiadas e suas lanças apontadas – mais algumas armas de fogo ultrapassadas – saíram a campo para matar ou morrer. E os patrões, e os chefes, e os coronéis e os duques onde estavam? Logo depois foram receber as medalhas e os brasões... Hoje recebem homenagens, estátuas e nomes de praças e ruas e até de cidades!
Como a ideologia do gauchismo corrompe as mentes e os corações e constroem uma época e uma realidade que nunca existiu. Quem perguntou às crianças, órfãos, as viúvas esquecidas, o que foi a guerra? Quem ganhou e quem perdeu nesta “injusta e ímpia guerra” mais dignidade, mais direito à vida, à solidariedade, à ternura? Todos perderam! Mas por medo da verdade os perdedores precisam de discursos emocionados e mentirosos para que sobrevivam – e cantam “sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra”. Em que consistiram estas façanhas? Tenho vergonha de ser gaúcho! Prefiro Mário Quintana e Lupcínio Rodrigues que cantam a beleza, a ternura e a vida. A morte e a violência não são modelos para ninguém, muito menos “para toda a terra”!
Entre inúmeros desfiles ufanistas e mentirosos, ridículos e exibicionistas em toda parte se celebrou a dimensão religiosa em “missas crioulas” e “cultos nativistas” – não é para isto que se construíram a experiência histórica do cristianismo. Em nenhum trecho dos Evangelhos encontrei a figura do Cristo como “patrão velho lá de cima” e muito menos a figura retrógrada de “rei”, e nem de sua mãe como “rainha” – não há, sociologicamente, nada mais ridículo que a lembrança do patrão, do rei e da rainha – Basta lembrar a rainha da Inglaterra ou o rei da Espanha... Palhaços da história que more por falência múltipla!
Na missa crioula se oferta no “ofertório” instrumentos de luta e símbolos de valentia do homem gaúcho, inclusive lanças e facas: instrumentos de morte. Na Eucaristia se comunga o corpo de Cristo e o sangue de Cristo – isto se chama no sentido pleno de vampirismo.
Não foi isto que aconteceu na última ceia!
Falta ver o que é primário: o sentido do fato no contexto do tempo e do momento.
Não faltam aqueles que reúnem o Fórum da Igreja para recolher as ovelhas perdidas e desgarradas para renovar o “rebanho de Cristo”. Criam-se ovelhas para matar e fazer churrasco, reúne-se o rebanho para facilitar sua cria e engordar para um churrasco mais gostoso.
Cuidado: a linguagem, o discurso do gauchismo e suas derivações sociais faz o real.

As contradições da trajetória acadêmica

Quando a gente entra na Universidade a gente é BIXO (sic.). Quando a gente sai da Universidade a gente é graduado: é FORMADO. Quando a gente não consegue realizar o curso universitário a tempo ou em condições a gente é JUBILADO: isto é, a gente faz festa, “jubila”. Quando a gente passou todo o tempo na Universidade a gente é APOSENTADO; isto é, vai para os “aposentos” e vive o resto do tempo de pijama. E quando a gente tem uma idade que o colendo conselho determinou que é o limite a gente é JUBILADO; isto é, a gente é demitido por ser incompetente e então a gente vira “inativo” ou “inútil”.
As palavras traem: bixo ou calouro. Quando alguém passou por todos os horrores da escola e entra no nível “superior”ou está cheia de calos ou virou bixo: deixou de ser gente. E então a gente entra numa estranha máquina de entortar pessoas: corpos e mentes; mas acredita que então somos de nível superior. Isto é, conseguimos nos adaptar a uma forma “dourada” e somos formados e passamos por um ritual absurdo, retrógrado, e ridículo e feio onde todos sabem mas fazem de conto que isto é o máximo.
Embora nem todos acreditem neste faz-de-conta e conseguem dizer como a criança: “o rei está nu”.
Numa formatura – qualquer – primeiro se monta o circo. Para montar o circo contrata-se uma empresa – que é para mostrar isenção – nada tem a ver com a Universidade. A empresa não tem nada a ver com a trajetória universitária. É uma empresa comercial, muito bem paga; portanto quer lucro que vai cobrar e montar o espetáculo. Ela está dentro de seus interesses comerciais e a livre iniciativa do mercado lhe garante todos os espaços de manobra. A Universidade não está de acordo com a exploração comercial porque ela é filantrópica; mas admite que outros transitem conforme as leis do mercado. Ela só oferece o palco e a clientela – e acha bom!
A mentira, embora mil vezes proclamada, quando perdura engana a todos, mas não o tempo todo. E os jovens formandos já entenderam o ridículo do ritual e disfarçam e brincam e assumem a palhaçada e debocham...
O traje é medieval e de muito mau gosto estético e funcional. É uma veste eclesial: o mesmo para homens e mulheres. Isto é, todos são iguais, desaparecem todas as diferenças: e isto tem lógica, a FORMA é a mesma e os formandos perderam sua identidade mesmo de gênero contudo os jovens conseguem em alguns momentos ridicularizar as formalidades: dão nós nas batas, enrolam as faixas, esgarçam os chapéus, arrancam suas plumas, transformam os “enfeites” do peito em babadores ou guardanapos e as meninas conseguem, sob pretexto de não tropeçar nas vestes e cair, as suspendem até a altura da cintura e exibem suas esculturais pernas (esculturais porque a academia não admite dizer que as pernas daquela formanda eram bonitas, sensuais, eróticas) completamente despidas (ou alguém acredita que por baixo das pesadas batas no calor tropical possa existir qualquer outro traje?!). Muita pose, muita luz, muita fotografia, muita mídia... não porque é bonito, mas porque é exótico, é bizarro!
... e a mesa de formatura, mesa de honra? Formal, mas igualmente constrangedor, se visto por alguém de outro planeta. Autoridades intelectuais, senhores e senhoras das ciências, das artes e da cultura: os trajes, os barretes, os rituais... Então o presidente da mesa anuncia que o “trabalho” irá iniciar. Mas afinal, este ritual acadêmico é trabalho, é celebração, é festa, é comemoração?! Nada disto, é formatura: é chancelar em caráter oficial que todos os formandos estão legalmente dentro da forma.
Mas nem todos os que entram na Universidade como bixos saem dela como formados. Uma grande porcentagem sai dela como jubilado ou reprovado ou desistente – Jubilação ou jubilamento: júbilo, grande alegria... apresentação honrosa (Caldas Aulete). Só um discurso bonito para camuflar o sofrimento e a tragédia. Cretinice é uma doença!
O trágico não é a estrutura historicamente ser armada assim. O trágico é toda uma população, uma comunidade, uma cultura achar que é assim mesmo. Que deve ser assim porque sempre foi assim, que assim é natural e é bonito. (O ruim não é oferecer à vovó um pedaço de sabão e dizer que é queijo. O ruim é a vovó acreditar!).
Indo além do espaço acadêmico: há um momento na vida do professor, do trabalhador, em que ele é enviado para seus aposentos, é aposentado, ou, é categorizado como inativo: não faz mais nada. Não precisa dizer mais nada; o absurdo, a contradição são evidentes.
A função das instituição de educação e do Estado é garantir a vida, a dignidade e a realização de todos os cidadãos como pessoas. Assim, na lógica do sistema, antes de formados são bixos, depois são formados, depois são dispensados até que a morte os leve para a inatividade fatal.
O problema da previdência no Brasil são as crianças e jovens que não trabalham; isto é que não contribuem e os velhos – hoje ainda nascem muitas crianças e sobrevivem e os velhos que demoram demais para morrer (Afirmação atribuída a FHC na discussão sobre a crise da Previdência no Brasil).
Repita a mesma mentira muitas vezes e de diversas maneiras e ela se tornará verdade – até que uma criança grite do meio da multidão: “o rei está nu”.