quarta-feira, 26 de novembro de 2008

CONDUTORES DE CRIANÇAS E PENSADORES CRÍTICOS

Vê se vale a pena lutar por uma profissão assim, frente ao trato que o governo do Rio Grande do Sul está dando aos seus professores!
A história (breve) da educação da infância, da adolescência e do pedagogo, no Brasil, continua na luta para garantir um espaço significativo num projeto de país. Entre as práticas diversas e contraditórias diretrizes oficiais ocupamos um não-lugar. Qual é a nossa especificidade? Qual é o nosso fazer profissional que nos caracteriza? Se não temos um saber específico, somos não profissionais ou semi-profissionais num vazio social: qualquer trabalhador da educação sente-se no direito de fazer o que fazemos; basta bom-senso e alguma sensibilidade. O mesmo pode-se dizer dos gestores da educação, dos supervisores, dos orientadores...
Se isto for verdadeiro, não tem porque lutarmos por reconhecimento social e político de nossa profissão.
A primeira consideração que deve ser feita diz respeito ao contexto onde se enquadra nosso fazer: em que sociedade e para que educação, que escola?
Na sociedade atual passamos por um conjunto de crises sem perspectivas próximas de superação da crise do trabalho, crise da família, crise da escola, crise do Estado... e de suas instituições. Sem ser fatalista, mas sendo alerta, crise do planeta, crise das utopias, crise da humanidade como espécie... Daí a necessidade urgente de novos paradigmas, de novos saberes, de novos fazeres, de novos agentes.
Para simplificar e ficar dentro do tema, a educação se encontra entre duas grandes alternativas contraditórias, a educação para resultados atrelados ao mercado e a educação para a formação, a construção do humano essencial. Entre estes dois extremos todas as inúmeras variantes das tendências reformistas, de modismos, de salvacionismos fundamentalistas e ou românticas: todas soluções parciais e tendenciosas.

Os saberes, os fazeres e os pensadores e fazedores da Educação
Há um posicionamento conjunto das entidades ligadas à “Formação de Professores da Educação Básica” e à “Regulamentação da Profissão do Pedagogo” (ANPED, ANFOPE, ANPAE, CEDES e Fórum Nacional em Defesa da Formação de Professores) que enfatiza a necessidade de definição de uma política nacional global de formação dos profissionais da educação e valorização do magistério que contemple - a sólida formação inicial no campo da educação; - condições de trabalho, salário e carreira dignas, - formação continuada como um direito dos professores e responsabilidade do Estado e das instituições contratantes.
Para tanto, propõem algumas teses sobre o Curso de Pedagogia que 1º - A base do Curso de Pedagogia é a docência. 2º - O Curso de Pedagogia porque forma o profissional de educação para atuar no ensino, na organização e gestão de sistemas, unidades e projetos educacionais e nas produções e difusões do conhecimento, em diversas áreas da educação, é, ao mesmo tempo, uma Licenciatura e um Bacharelado.
Quanto à primeira tese a concepção de profissional da educação é fundamental para a compreensão contextualizada do espaço formativo do Pedagogo. O que confere especificidade à formação do profissional da educação é a compreensão histórica dos processos de formação humana, a produção teórica e a organização do trabalho pedagógico, a produção do conhecimento em educação, para o que usará da economia, da sociologia, da história, posto que seu objeto são os processos educativos historicamente determinados pelas dimensões econômicas e sociais que marcam cada época. Esta concepção do pedagogo como docência exige: - sólida formação teórica e interdisciplinar sobre o fenômeno educacional e seus fundamentos; - unidade entre teoria e prática que resgata a práxis da ação educativa; - gestão democrática; - compromisso social do profissional da educação, - trabalho coletivo e interdisciplinar, - incorporação da concepção de formação continuada, - avaliação permanente dos processos de formação.
Quanto à segunda tese toma-se a ação docente como fundamento do trabalho pedagógico a qual determina que os processos de formação dos profissionais da educação tenham organicidade a partir de uma base comum: os processos educativos em sua dimensão de totalidade sobre o qual dar-se-ão os recortes específicos, em termos de aprofundamento.
Esta proposta do conjunto de entidades de profissionais da educação passa, a nível de definições de políticas públicas, por tramitações contraditórias.

Políticas sociais para a infância
O apelo para políticas públicas para a infância começa a existir no momento em que os direitos e as necessidades da infância são negadas. Na base de qualquer política pública estão as demandas sociais. Estas vão pressionar definições de prioridades que nos embates políticos podem exigir definições legais. Tudo isto inclui inúmeras relações conflituosas e tensões sociais. Contudo, podemos caracterizar uma política pública social como um processo de construção de consensos em função da articulação de ações para garantia de convivência social legítima em determinado tempo e em determinada sociedade.
Para tanto deve haver a intervenção do poder público no sentido de ordenamento de opções prioritárias entre necessidades e interesses dos diferentes segmentos que compõem a sociedade. Ou seja, escolhas sociais e políticas realizadas segundo princípios de justiça coerentes e consistentes. Pode ainda referir-se a ações e omissões que demostrem uma determinada modalidade de intervenção do Estado em relação a uma questão ou demanda de interesse da sociedade civil. Se admitimos que ao Estado compete o ordenamento de interesses e necessidades, esses e essas devem ser expressos pelos vários atores sociais que compõem o todo social. Ao Estado compete desencadear opções sucessivas que envolvem conflitos,, atritos, coalizões, pressões e contrapressões, as muitas forças dos diversos segmentos sociais, os estamentos técnico-democráticos do próprio Estado, o Congresso, a presidência, os partidos, os sindicatos, os movimentos sociais, os especialistas, as corporações. Não se excluem, neste jogo de forças, associações profissionais e comunitárias, os atores internacionais governamentais e não governamentais e movimentos multilaterais.
No caso das políticas públicas para a infância no Brasil temos o seguinte quadro e perspectivas.
Já em 1994 o MEC traçava, através da Coordenação Geral de Educação Infantil, uma primeira definição de Política Nacional. A partir da Constituição de 1988 se afirma que a educação é um direito de todos e, por inclusão também das crianças pequenas. “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de (...) atendimento em creche e pré-escola às Crianças de zero a seis anos de idade” (art. 208). Sendo um direito da criança é um dever do Estado. Assim sendo, a Constituição explicita a função eminentemente educativa à qual se agregam as ações de cuidado. A partir desta definição a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº. 9394 de 1996) consagra um capítulo sobre a Educação infantil caracterizando-a como a primeira etapa de educação básica. Não há mais controvérsia sobre a importância da Educação Infantil para a criança, para um projeto de país, nem sobre a necessidade social deste segmento do processo educativo. Estas definições respondem também à exigência de cuidados especiais à criança pequena para seu desenvolvimento perfeito na etapa mais sensível e marcante na estruturação dos seus esquemas básicos, internos e externos, de personalidade e cidadania. Com estas definições de prioridades se fixam diretrizes pedagógicas e de políticas de recursos humanos e financeiros, sem os quais aquelas não passam de cartas de intenções sem maiores conseqüências.
Como a carta de intenções, a Constituição, a L.D.B.E.N., os Estatutos da Criança e do Adolescente são enfáticos como jamais foram quaisquer definições legais na história política do Brasil: “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil – 1988). Seguem depois, na mesma Lei, sete parágrafos e outros tantos incisos detalhando outros cuidados e garantias de valor imponderável e inquestionável.
A mesma ênfase nos cuidados e na educação da criança pequena está na Lei nº. 10.172 de 09 de janeiro de 2001, que estabelece o Plano Nacional de Educação (PNE) de duração decenal.
O atual PNE define objetivos e metas detalhadas e exigentes que procuram garantir parâmetros de qualidade para o atendimento privilegiado à criança pequena. São citados padrões relativos à infra-estrutura material: espaços internos e ambientes externos, equipamentos, condições de saneamento, material pedagógico, diretrizes curriculares e metodologia da educação infantil; mais, adequações de todos os espaços à todas as crianças, inclusive às características das crianças portadoras de necessidade especiais. Além disto, o PNE estabelece datas, etapas e organismos responsáveis pela execução destas metas. O plano é tão cuidadoso que propõe “exercer a ação supletiva da União e do Estado junto aos Municípios que apresentam maiores necessidade técnicas e financeiras...” (meta nº. 25).
Cuidado: o engano fatal do PNE está na meta nº. 22 que foi vetada pelo Presidente da República por se referir a recursos porque “a) contraria o interesse público; b) é incompatível com o Plano Plurianual; c) desrespeita os art. 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal”. Conclusão: Esta proposição de políticas públicas para a educação infantil é uma grande ironia.
Não bastam boas intenções, mas são necessários investimentos e vontade política dos responsáveis, além da atuação organizada dos profissionais da educação da infância e de toda a população.
Possuímos a nível de mundo desde 1959 Declarações, Convenções, Cartas e Conferências assinadas pelos dirigentes de centenas de países. Possuímos pesquisa, teses, dissertações e experiências preciosas e exitosas em todo o mundo. Possuímos profissionais e intelectuais brilhantes e heróicos em todas as partes do planeta. O que acontece e precisamos denunciar é a falta de políticas públicas sérias, articuladas com políticas sociais globais que elaborem decisões conseqüentes para a garantia efetiva da infância com “absoluta prioridade”. Que se faça nas eleições municipais em todo o Brasil o que recomenda o prof. Ernest Sarlet no seu pronunciamento patético na abertura do 23º Simpósio de Educação Infantil da Instituição Evangélica de Novo Hamburgo - RS, “Patrimônios para uma cultura da PAZ”. Saído do Hospital contra ordem médica, com equipamento de oxigênio preso às suas costas, rouco e ofegante o prof. Sarlet diz “em vez de criar a cada dois dias um curso superior, criem-se a cada dia dois jardins de infância em cada município e estaremos plantando a semente para verdadeiros patrimônios para uma cultura da PAZ”.

Políticas de recursos humanos
A concepção de Educação infantil, que integra as funções de educar e cuidar em instituições exige que o adulto que atua na área seja reconhecido como um profissional com preparo específico. Isto implica que lhe devem ser asseguradas condições de trabalho, plano de carreira, salário e formação continuada condizentes com seu papel profissional. Implica, ainda, a necessidade de que o profissional de educação da infância seja em tudo de qualidade pessoal e social superior. Por isto se justifica que os profissionais de Educação da infância que lidam diretamente com crianças ou atuam na gestão, supervisão ou orientação de quaisquer instituições de atendimento de crianças pequenas disponham de políticas públicas de formação. Estas políticas devem incluir formas e modalidades de formação e especialização, bem como, mecanismos de atualização continuada; sem esquecer a exigência legal de formação inicial em nível médio e superior, incluindo o domínio de conteúdos específicos relativos à criança nesta fase de desenvolvimento e desta etapa educacional.

Conclusões
A partir da década de 1970 se instalam no Brasil os Programas de Pós-Graduação que desencadeou e ainda permanece em vigoroso desenvolvimento do espaço acadêmico da educação firmando um salutar impulso na educação da pesquisa e da construção de novos referenciais teóricos. Assim a Pedagogia passa a ser uma ciência da e para a prática educativa e na visão de alguns “críticos” esta pedagogia já não é tratada como ciência, mas como uma prática de tal maneira que já não se faz na Universidade, mas nos Insitutos Superiores de Educação ou em Escolas Normais Superiores (veja LDB – Lei n. 9.394/96).
A Pedagogia já não exigia grande qualificação sob o aspecto da sua fundamentação teórico-científica. Como decorrência, a área pedagógica se torna objeto de um certo estigma que passou a ser reforçado por um baixo status social da profissão docente de caráter menor de segunda categoria frente aos outros cursos da Universidade.
A Pedagogia precisa equacionar de modo adequado e resgatar sua história de condutora da infância e de pensadora crítica da educação numa integração essencialmente dialética, onde teoria e prática não se separam nem se opõem mas se unificam. Não há teoria sem prática, nem práticas sem sua justificativa. Caso contrário a pedagogia pode tornar-se ou um ativismo (domínio de aptidões e competências técnicas artesanais pragmáticas de orientação do ensino) ou discurso vazio, moralista e alienante, inútil.
A formação de profissionais da Educação da infância deve ser buscada no passado: no mestre de ofício, no condutor de crianças (pais+agein = pedagogo). Talvez o novo na questão do educador seja retornar ao velho, ao de sempre, sem saudosismos e sem ranços: reencontrar no professor o humano, o sensível, o companheiro, o politicamente/socialmente comprometido, o cidadão, o mestre de ofício. O homem consciente, saudável e solidário, ou então, construir o professor onde se encontrem o jornalista e o intelectual político, o que sabe tudo do seu tempo, curioso e atualizado, aquele que sabe porque as coisas da vida e da história são assim; sabe também que nem sempre foram assim; que são assim porque assim foram construídos historicamente e sabe sobretudo que poderão ser diferentes. A recuperação de nosso ofício de mestres será também ensinar a ser humanos, pedagogos do humano ofício (ARROYO, 2000, p.54).
Há inúmeras experiências no Brasil e no mundo onde se constrói nova escola para um novo mundo.
Esta nova escola possível tem alguns elementos essenciais: o vínculo com uma visão de mundo humanizadora; o compromisso com um projeto de sociedade emancipadora; uma prática de radicalização da democracia por meio da participação; o funcionamento de mecanismos que possibilitem a participação e a gestão democrática; a superação da seriação e a construção de uma estrutura com novos espaços e tempos que acolham os educandos como sujeitos únicos nas suas fases de desenvolvimento; a organização do ensino interdisciplinar (ou transdisciplinar), com conteúdos pertinentes ao contexto socioantropológico; a concepção de avaliação emancipatória estimuladora da aprendizagem contínua, percebendo o educando como parâmetro de si mesmo; e a democratização do conhecimento, garantindo a aprendizagem para todos, a autonomia moral, intelectual necessárias à emancipação (AZEVEDO, 2007, p.29).
O ofício de Pedagogo só irá encontrar seu lugar na escola e na sociedade, seu lugar social no compromisso que somente aprendemos a ser humanos na trama complexa de relacionamentos com outros seres humanos, no convívio com determinações simbólicas, rituais, celebrações e gestos onde Pedagogos, crianças, adolescentes e jovens possam viver a experiência plena e privilegiada de cidadania e de humanidade perdida na vida e na escola formal disciplinadora, conteudista e reprovadora.Nossa identidade como profissionais Pedagogos se estabelecerá se formos condutores companheiros de vida, de nossas crianças, intelectuais críticos e cúmplices das novas gerações na arte de ser gente.


Referências
ARROYO, Miguel G. Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
AZEVEDO, José Clovis. Ciclos de formação: uma nova escola é necessária e possível. In: KRUG, A. R. (Org.). Ciclos em revista: a construção de uma outra escola possível. Rio de Janeiro: Wak, 2007.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Enturmação ou correia de montagem para o controle final de qualidade?!


“Nova era da educação do Estado (RS)” (Z.H.-26.02.2008): entrumação (7500 turmas extintas, 105 escolas fechadas, todas as crianças e adolescentes serão remanejados para outros setores da montagem); inclusões de crianças de 6 anos, obrigatória, no Ensino Fundamental (a estranha máquina de entortar gente);municipalização da Educação Infantil (municípios? Com que condições, com que recursos?); transporte escolar (desenraizar a infância de seu território, de sua cultura, de seu meio social, de seu tempo de infância, de sua linguagem, de suas crenças, de seus companheiros, de sua professorinha...). Sem relações de pertencimento com os outros e com o nosso mundo nos perdemos; caímos no vazio existencial. E, então, qualquer coisa é boa ou nada vale pena!
Na ilusão de que são decisões administrativas se esconde o que são opções por prioridades. Atrás de cada definição existe uma opção que, por ser prioritária, se define como única: todas as outras como não prioritárias; portanto, se trata de “escolhas trágicas”.
1º O Estado decide reorganizar a escola em função de melhor empregar os recursos públicos: professores ociosos, turmas pequenas demais, salas semivazias, resultados medíocres nos exames nacionais, infra-estrutura sub-aproveitada... Soluções corajosas de administração da escola no RS! Para quem?!
2º Quando qualquer processo educativo está atrelado a um sistema avaliativo que busca resultados estatísticos rouba qualquer pretensão de autonomia. Quem decide que educação fazer e para quê são as comissões de avaliação. Então a opção por quê educação e para quê sociedade está inserida no processo de avaliação imposto que irá buscar o certo e o errado ou o que é bom e o que é mau. É claro que o certo e o errado é marcado por quem elabora as avaliações. Estas comissões perguntaram às crianças o que é certo para bem viver sua infância? Ou perguntaram aos educadores para que mundo estão construindo sua experiência de escola? Para seu bem explícito: alguma prova perguntou se esta criança ou adolescente é feliz enquanto aprende na escola?! Se o saber e a experiência de escola não construir situações privilegiada de prazer não vale a pena vivê-la, mesmo porque será inútil ou prejudicial.
Na proposta “revolucionária” da escola do RS nem crianças, nem educadores foram ouvidos sobre que escola queriam. Pelo contrário, quando foram ouvidos em algum tempo os resultados desta escuta foram destruídos ou ignorados: constituinte escolar – a melhor experiência de participação que a escola estadual já viveu em sua história!
Nas últimas administrações do Estado (RS) os educadores não só não foram ouvidos como foram ferozmente humilhados. Basta lembrar as greves dos educadores do Estado que buscavam ser ouvidos.
Dois momentos emblemáticos: quando um grupo de professores e professoras solicitaram ser ouvidos pelo poder público em nome de seu órgão de classe. Fizeram manifestações em frente ao palácio do poder e desencadearam uma greve de fome com o fim de sensibilizar os responsáveis pelas decisões político-administrativas do Estado. Não de repente sentiram-se cercados por centenas de policiais fortemente armados com cães ferozes atiçados contra eles como se fossem terroristas perigosos em tempo de explodir o palácio do governo. Pior que isto, em outro momento os educadores precisaram se acorrentar às grades dos portões do palácio. O que queriam? Queriam ser ouvidos.Nos fundos do palácio já estava um destacamento da polícia de choque, também fortemente armado, só aguardando a ordem de reprimir (bater, assustar, mutilar ou mais se a raiva ditasse). O que queriam? Ser ouvidos! Neste momento, num instante de lucidez humana, a governadora manda a tropa evitar confronto e agenda uma audiência que deu em nada. Estes policiais e seus mandantes certamente não passaram pela escola, ou, se passaram, foram muito mal alfabetizados. Não sentiram o calor, o afago da mão da professora orientando os primeiros traços da escrita e dos números!
Como fazer uma boa escola sem participação daqueles que, de fato, a fazem? Nenhum autoritarismo resiste por todo o tempo a vontade das multidões dos deserdados dos direitos fundamentais.
Por mais brilhante que seja o discurso há um momento que uma criança vai gritar: “O rei está nu!” – como na fábula.
É possível lembrar fato, nem tão distante, do “calendário rotativo”. Num “canetaço” de gabinete se ampliam em 25% as vagas para crianças no Estado, sem investir um centavo a mais na infra-estrutura nem em recursos pessoais e didático-pedagógicos. Resultado: fracasso retundante. Até hoje os burocratas desta solução “milagrosa” são lembrados como fantasmas e fantoches de uma época de péssimas e tristes lembranças.

3ª - Nenhuma decisão sem a participação dos que fazem, de fato, chega a lugar algum.

4ª - Sob o ponto de vista da educação, a pergunta crucial é: que educação, para quem? Uma opção politicamente correta leva em conta as prioridades. Nenhuma opção por número de pessoas é neutra. Basta uma criança ser rejeitada para que qualquer opção seja espúria.

5ª - Questão de princípio: nunca se fecha uma turma, nunca se fecha uma escola! Quando se trata de gente, o número é uma questão menor. Basta uma criança rejeitada para caracterizar uma tragédia. Tenho pena da Secretária que passará para a história macabra da educação do RS, que destruiu 7.500 turmas (não importa que sejam pequenas ou não: são crianças) e fechou 105 escolas num só canetaço. Aqui também aparece a visão muito pequena de escola. Escola existe também para ensinar. Mas a sua função é muito maior que isto: um centro de cultura, arte, cidadania – convivência social e política. Existirem poucas crianças não justifica fechar a escola, porque a escola centraliza educadores, laboratórios, bibliotecas, pátios e toda infra-estrutura capaz de abranger todas as causas do contexto social onde está localizada. Fechar uma escola significa desistir de um equipamento social multifuncional jamais descartável. A escola para todos foi uma conquista histórica só alcançada após a Revolução Francesa no século XVIII. A escola para as elites existe desde antes de Cristo; mas não é esta que nos interessa.

6ª - Quem pensou nos heróis anônimos da nossa escola? Os heróicos educadores que todos os dias, todas as semanas, todos os meses, o ano inteiro, cada manhã tomam suas pastas e saem para escola sempre de novo para viver um universo de emoções, de funções, de rotinas generosas e persistentes acreditando que uma escola para o encontro de gentes é possível?!
Não tenho dúvidas: os que decidiram por este pacote “da nova era da educação no Estado (RS)” nunca estiveram em uma sala de aula da escola básica, nunca abraçaram uma criança que chega, sonolenta, às vezes mal alimentada, mal amada, nem acompanharam esta criança no “transporte escolar” em equipamento de qualidade questionável durante intermináveis tempos para chegar e retornar da escola de referência. “Só sabe do peso da pedra quem a pega e a levanta”. Ou melhor, só sabe o valor das coisas e da vida quem a prende com os dois braços e a aconchega e afaga!
Fim: O pacote da educação do Estado (RS) em 2008: uma corajosa solução administrativa e política e um fracasso como proposta de uma escola nova para a cidadania, para a experiência privilegiada da dignidade, solidariedade, da competência (termo que a burocracia adora) humana total.
Se a solução da escola é administrativa como se apresenta no RS, desconsiderando as crianças e seus professores, estará decretando a falência da Escola e do Estado como uma questão pública.
Euclides Redin
São Leopoldo, março de 2008.

Obs.: Se achar que este manifesto vale a pena, divulgue!

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Resmungos tortos no feriado dos Faroupilhas

Na história do RS não há nada mais estúpido, irracional e imbecil que a guerra dos farrapos. Qual foi o motivo da guerra – dez anos? Quem batalhou, quem morreu, quem venceu? A guerra em função de quem e para que? Os peões de estância, os negros escravos montaram suas montarias com suas espadas afiadas e suas lanças apontadas – mais algumas armas de fogo ultrapassadas – saíram a campo para matar ou morrer. E os patrões, e os chefes, e os coronéis e os duques onde estavam? Logo depois foram receber as medalhas e os brasões... Hoje recebem homenagens, estátuas e nomes de praças e ruas e até de cidades!
Como a ideologia do gauchismo corrompe as mentes e os corações e constroem uma época e uma realidade que nunca existiu. Quem perguntou às crianças, órfãos, as viúvas esquecidas, o que foi a guerra? Quem ganhou e quem perdeu nesta “injusta e ímpia guerra” mais dignidade, mais direito à vida, à solidariedade, à ternura? Todos perderam! Mas por medo da verdade os perdedores precisam de discursos emocionados e mentirosos para que sobrevivam – e cantam “sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra”. Em que consistiram estas façanhas? Tenho vergonha de ser gaúcho! Prefiro Mário Quintana e Lupcínio Rodrigues que cantam a beleza, a ternura e a vida. A morte e a violência não são modelos para ninguém, muito menos “para toda a terra”!
Entre inúmeros desfiles ufanistas e mentirosos, ridículos e exibicionistas em toda parte se celebrou a dimensão religiosa em “missas crioulas” e “cultos nativistas” – não é para isto que se construíram a experiência histórica do cristianismo. Em nenhum trecho dos Evangelhos encontrei a figura do Cristo como “patrão velho lá de cima” e muito menos a figura retrógrada de “rei”, e nem de sua mãe como “rainha” – não há, sociologicamente, nada mais ridículo que a lembrança do patrão, do rei e da rainha – Basta lembrar a rainha da Inglaterra ou o rei da Espanha... Palhaços da história que more por falência múltipla!
Na missa crioula se oferta no “ofertório” instrumentos de luta e símbolos de valentia do homem gaúcho, inclusive lanças e facas: instrumentos de morte. Na Eucaristia se comunga o corpo de Cristo e o sangue de Cristo – isto se chama no sentido pleno de vampirismo.
Não foi isto que aconteceu na última ceia!
Falta ver o que é primário: o sentido do fato no contexto do tempo e do momento.
Não faltam aqueles que reúnem o Fórum da Igreja para recolher as ovelhas perdidas e desgarradas para renovar o “rebanho de Cristo”. Criam-se ovelhas para matar e fazer churrasco, reúne-se o rebanho para facilitar sua cria e engordar para um churrasco mais gostoso.
Cuidado: a linguagem, o discurso do gauchismo e suas derivações sociais faz o real.

As contradições da trajetória acadêmica

Quando a gente entra na Universidade a gente é BIXO (sic.). Quando a gente sai da Universidade a gente é graduado: é FORMADO. Quando a gente não consegue realizar o curso universitário a tempo ou em condições a gente é JUBILADO: isto é, a gente faz festa, “jubila”. Quando a gente passou todo o tempo na Universidade a gente é APOSENTADO; isto é, vai para os “aposentos” e vive o resto do tempo de pijama. E quando a gente tem uma idade que o colendo conselho determinou que é o limite a gente é JUBILADO; isto é, a gente é demitido por ser incompetente e então a gente vira “inativo” ou “inútil”.
As palavras traem: bixo ou calouro. Quando alguém passou por todos os horrores da escola e entra no nível “superior”ou está cheia de calos ou virou bixo: deixou de ser gente. E então a gente entra numa estranha máquina de entortar pessoas: corpos e mentes; mas acredita que então somos de nível superior. Isto é, conseguimos nos adaptar a uma forma “dourada” e somos formados e passamos por um ritual absurdo, retrógrado, e ridículo e feio onde todos sabem mas fazem de conto que isto é o máximo.
Embora nem todos acreditem neste faz-de-conta e conseguem dizer como a criança: “o rei está nu”.
Numa formatura – qualquer – primeiro se monta o circo. Para montar o circo contrata-se uma empresa – que é para mostrar isenção – nada tem a ver com a Universidade. A empresa não tem nada a ver com a trajetória universitária. É uma empresa comercial, muito bem paga; portanto quer lucro que vai cobrar e montar o espetáculo. Ela está dentro de seus interesses comerciais e a livre iniciativa do mercado lhe garante todos os espaços de manobra. A Universidade não está de acordo com a exploração comercial porque ela é filantrópica; mas admite que outros transitem conforme as leis do mercado. Ela só oferece o palco e a clientela – e acha bom!
A mentira, embora mil vezes proclamada, quando perdura engana a todos, mas não o tempo todo. E os jovens formandos já entenderam o ridículo do ritual e disfarçam e brincam e assumem a palhaçada e debocham...
O traje é medieval e de muito mau gosto estético e funcional. É uma veste eclesial: o mesmo para homens e mulheres. Isto é, todos são iguais, desaparecem todas as diferenças: e isto tem lógica, a FORMA é a mesma e os formandos perderam sua identidade mesmo de gênero contudo os jovens conseguem em alguns momentos ridicularizar as formalidades: dão nós nas batas, enrolam as faixas, esgarçam os chapéus, arrancam suas plumas, transformam os “enfeites” do peito em babadores ou guardanapos e as meninas conseguem, sob pretexto de não tropeçar nas vestes e cair, as suspendem até a altura da cintura e exibem suas esculturais pernas (esculturais porque a academia não admite dizer que as pernas daquela formanda eram bonitas, sensuais, eróticas) completamente despidas (ou alguém acredita que por baixo das pesadas batas no calor tropical possa existir qualquer outro traje?!). Muita pose, muita luz, muita fotografia, muita mídia... não porque é bonito, mas porque é exótico, é bizarro!
... e a mesa de formatura, mesa de honra? Formal, mas igualmente constrangedor, se visto por alguém de outro planeta. Autoridades intelectuais, senhores e senhoras das ciências, das artes e da cultura: os trajes, os barretes, os rituais... Então o presidente da mesa anuncia que o “trabalho” irá iniciar. Mas afinal, este ritual acadêmico é trabalho, é celebração, é festa, é comemoração?! Nada disto, é formatura: é chancelar em caráter oficial que todos os formandos estão legalmente dentro da forma.
Mas nem todos os que entram na Universidade como bixos saem dela como formados. Uma grande porcentagem sai dela como jubilado ou reprovado ou desistente – Jubilação ou jubilamento: júbilo, grande alegria... apresentação honrosa (Caldas Aulete). Só um discurso bonito para camuflar o sofrimento e a tragédia. Cretinice é uma doença!
O trágico não é a estrutura historicamente ser armada assim. O trágico é toda uma população, uma comunidade, uma cultura achar que é assim mesmo. Que deve ser assim porque sempre foi assim, que assim é natural e é bonito. (O ruim não é oferecer à vovó um pedaço de sabão e dizer que é queijo. O ruim é a vovó acreditar!).
Indo além do espaço acadêmico: há um momento na vida do professor, do trabalhador, em que ele é enviado para seus aposentos, é aposentado, ou, é categorizado como inativo: não faz mais nada. Não precisa dizer mais nada; o absurdo, a contradição são evidentes.
A função das instituição de educação e do Estado é garantir a vida, a dignidade e a realização de todos os cidadãos como pessoas. Assim, na lógica do sistema, antes de formados são bixos, depois são formados, depois são dispensados até que a morte os leve para a inatividade fatal.
O problema da previdência no Brasil são as crianças e jovens que não trabalham; isto é que não contribuem e os velhos – hoje ainda nascem muitas crianças e sobrevivem e os velhos que demoram demais para morrer (Afirmação atribuída a FHC na discussão sobre a crise da Previdência no Brasil).
Repita a mesma mentira muitas vezes e de diversas maneiras e ela se tornará verdade – até que uma criança grite do meio da multidão: “o rei está nu”.