domingo, 29 de novembro de 2009

A infância e a paz

Caros leitores, esse texto será apresentado como prefácio do livro: "Paz e educação infantil: a voz das crianças", de MARQUES, C. M> e WACHS, M. C. São Leopoldo., 2009 (no prelo).
Seu comentário é sempre bem vindo!



A INFÂNCIA E A PAZ

A história do mundo ainda está sendo contada como a história das guerras, dos heróis, dos eventos épicos constituídos por grandes lutas, de vitórias sobre outros, de mortes, destruições e saques. Hoje já existem alguns historiadores que contam a história incluindo outras realizações humanas como as artes, a música, os movimentos religiosos, as organizações sociais, os movimentos de resistência, as proclamações e convenções, os direitos humanos (das crianças, das mulheres, dos idosos, dos excluídos...) a emergência dos movimentos de paz.

A História dos povos também poderia ser contada pelas histórias dos brinquedos das crianças. Os brinquedos são uma forma simbólica de representar o mundo vivido, como imitação, do faz de conta, de fantasia e imaginação, como uma forma lúdica de outra organização possível.

Mesmo assim o mundo vivido simbolicamente pelas crianças vem carregado de lutas, de violências, de competição, de ganhar e perder, de vencedores e vencidos, e incluídos e excluídos... Contudo, ainda sobram sinais do lúdico, das crianças, de encontro, de convivência, de respeito, de ternura.

A sinais evidentes na criança que a vida pode se constituir como uma aventura para o encontro, para a alegria, para o aconchego, para a paz. Contudo, as mil e uma faces da violência, da guerra, do medo e do ódio nos fazem pensar: a violência e a guerra fazem parte da essência humana?! Ou serão uma construção infinitamente constituída pela maldade humana?!

Há muitos exemplos de arautos da paz sucumbindo pela ferocidade da violência.

No último século vivemos proclamações e declarações universais de direitos, de eventos mundiais, conclamatórios para a paz... exatamente porque nunca na história da humanidade vivemos tragédias tão terríveis e cruéis de destruições dos homens por outros homens. Servem como apelo antes que seja tarde demais, para que a humanidade se desarme, que se aliviem as mãos de fuzis e bombas e se joguem flores, que as armas sejam fundidas em arados que cultivem a terra e se possa repartir o pão em abundância que por sua vez terá o gosto da ternura.

Caso contrário morreremos. O universo surgiu sem o homem e pode desaparecer novamente sem ele (Levi Strauss). O planeta clama pelo reencontro com o cuidado essencial antes que desapareçamos como humanidade e como planeta.

Mas a violência está tão próxima do nosso cotidiano que quase a consideramos natural, que sempre foi assim e que não há nada para fazer senão considerá-la e suportá-la como fatalidade.

É preciso teimosamente, repetir: e, contudo a paz é possível – contra todas as evidências, desde que assumamos o desafio de construí-la!

Como?! Quem nos dirá como construí-la – os meios de comunicação abrem campanhas para a paz, quando eles mesmos estão cheios de violência construtores de vencedores e vencidos, de incluídos e excluídos. Mas falamos de paz.

Primeiro devemos desmentir esta farsa, denunciar este cinismo deslavado e ao mesmo anunciar: a nível de proclamações, a paz é um direito e um dever fundamental que cada cidadão tem a capacidade jurídico-política de exigi-la e por sua vez o dever de respeitá-la.

Este direito exige proteção para que seja possível por parte de uma regulação política para se concretizar como: o anúncio da nova era de paz só poderá vir daqueles (as) que sofrem os efeitos da violência instalada. Por hipótese, quem poderá nos dizer o que será um bom projeto de paz são as crianças; e teremos a certeza que se um projeto de paz for bom para as crianças será bom para todos: para seus pais, seus avós, seus familiares, seus colegas e todos os cidadãos...

Isto já foi dito nas fábulas contadas às crianças.


“A cidade deverá ter alamedas verdes,

a cidade dos meus amores,

quem dera os moradores

... e os pintores e os vendedores,

... as senhoras e os senhores,

... os guardas e os inspetores

fossem somente crianças”.

(Tradução livre dos “Músicos de Bremem” dos Irmãos Grimm).

A nova cidade que necessita urgentemente ser reinventada será decorrência de nova organização social para além do capital em todas suas formas de exploração. Será equânime, pluritécnica, intercultural, ecumênica, será solidária produtora de cidadania e de cidadãos emancipados. Será a moradia dos humanos reencontrados.

Esta reinvenção culturalmente não seria articulada nem pelos homens, nem pelas mulheres. Talvez a articulação de uma nova forma de relações entre os humanos seja daqueles seres que essencialmente necessitam de humanidade: a criança. Uma cidade boa será aquela que respeita nossas crianças.


Se reconhecermos á criança a competência, se para ela desejarmos a autonomia que ela precisa, e se nos convencermos de que a criança pode ser uma grande aliada para a mudança real e radical da cidade na perspectiva de uma nova cultura da infância a pergunta será: como a criança pode ajudar os adultos?Esse é o sentido do projeto “A cidade das crianças”, esse é o cerne da nossa filosofia de governo da cidade: assumir a criança como parâmetro para garantia de todos os cidadãos, a partir dos mais fracos, na certeza de que, se uma cidade for adequada às crianças, será uma boa cidade para todos. (TONUCCI, Francesco. Quando as crianças dizem: Agora chega!. Porto Alegre: Artmed, 2005, p.209)


De qualquer maneira, uma coisa é certa: No dia em que uma criança pegar em teu dedo e sair caminhando contigo, tu jamais te livrarás dela! Ela terá te capturado para sempre!


Conclusões


Mais que as convenções faz o abraço! Faz também o anúncio de um visionário divino, assassinado pelo poder autoritário político-religioso do império totalitário, quando diz que, quem não se tornar como uma criança não é capaz de entender, de entrar no Reino de Deus.

A ONU declarou o ano 2.000 o “ano internacional por uma cultura da paz”. Esta e outras proclamações explicitam que a paz é um direito e um dever fundamental que cada cidadão tem a capacidade jurídico-política de exigi-la e por sua vez o dever de respeitá-la. Este direito e este dever exigem organização e articulação de toda a sociedade para que seja possível. Exige também uma regulação jurídica para se concretizar nas esferas cotidianas de poder o direito à paz.

Luis Carlos Restrepo (1997), em “Proyecto para un arca en médio de un dilúvio de plomo” enuncia alguns aspectos para concretizar o direito a paz (tradução livre): a negação do serviço militar obrigatório; o direito a opor-se a qualquer tipo de propaganda bélica; o direito a opor-se a qualquer ideologia que estimule o ódio racial, religioso, político ou social; o direito do cidadão a negar-se ativamente frente aos atores armados; o direito a não ser excluído, seqüestrado, desaparecido ou privado da liberdade; o direito a constituir zonas livres de paz e a solicitar proteção internacional para mantê-las; o direito a preferir mecanismos não armados de segurança; o direito a desobediência civil; o direito a manifestações contrárias a guerra; o direito a negar a proteção de exércitos; o direito as crianças de manter-se protegidas de qualquer movimento de guerra de qualquer espécie; o direito dos povos a paz e a rechaçar qualquer ameaça de guerra para resolver conflitos; o direito de apelar para vias pacificas para resolver conflitos.

Afirmar o direito a paz é comprometer-se em posturas libertárias e democráticas para convocatória permanente da participação política a fim de avançar na construção coletiva de uma sociedade respeitosa das diferenças e a busca de caminhos não violentos para a solução de qualquer tipo de conflito.

Em “Terra dos Homens” Antoine de Saint- Exupéry descreve o retorno dos operários para suas casas nos trens de transporte de animais, alquebrados e destituídos de sua auto-estima junto com crianças dormindo, em sua beleza e ternura originais, e, se enternece: estas crianças, se tivessem condições históricas, poderiam ser gênios da arte, da música, de toda beleza do universo... mas, infelizmente já estão na antecâmara da estranha “máquina de entortar gente” e se tornarão sobras nas sarjetas poluídas do mundo.

Mas é preciso crer que a “ Paz da Educação Infantil: escutando a voz das crianças” poderá ser o templo sagrado de uma experiência privilegiada de outro mundo possível onde a beleza o encanto e a ternura terão seu ninho e seu protagonismo. Se é possível, é preciso não desistir jamais de um novo pacto de ternura; pois é da infância mais que de progresso que o mundo tem precisão.


Euclides Redin

Primavera de 2009.