segunda-feira, 13 de agosto de 2007

MENTIRAS QUE PARECEM VERDADE

MENTIRAS QUE PARECEM VERDADE:
PARA QUE SERVE A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL
EUCLIDES REDIN


Qualquer avaliação que não ensine alguma coisa é inútil, senão prejudicial[1].
Desde algum tempo assistimos a um crescente protagonismo de avaliações como dispositivo universal de melhoria da “qualidade”. A avaliação de forma explícita e intencional passa a incidir não apenas nos resultados acadêmicos dos estudantes, dos professores, dos administradores e demais processos; mas também na própria definição e implementação de políticas públicas educativas nas atividades das escolas e nas ações dos professores e dos sistemas. A isto se denominou de projeto de modernização conservadora: possibilidade de se transformar em instrumento eficaz para introduzir mudanças inspiradas numa nova ideologia da nova direita- uma espécie de opção política, econômica e cultural onde se fundem valores e interesses contraditórios de origem liberal e conservadora que viabilizarão medidas e decisões de caráter híbridos tomadas por diferente governos e gestões de países e instituições de todos os campos do saber e do fazer.
Neste contexto, verifica-se que uma das expressões mais fortes da nova obsessão avaliativa é o retorno aos exames nacionais pretendendo cumprir duas funções básicas complementares: servir de instrumento para reforçar o controle central por parte do estado (e, ou da instituição) relativamente ao que se ensina (e como se ensina) nas escolas e, simultaneamente, promover pressões competitivas entre os estabelecimentos de ensino públicos e privados, induzindo um efeito de hierarquização e de emulação através da publicização e ampla divulgação dos resultados. (cf. AFONSO, Almerindo J. “As escolas em avaliações: a viabilidade e responsabilização”- em Administração educacional. Ver do Fórum Português de Administração educacional, n0 1, 2001, p.22-27).
Estes dispositivos de avaliação externa e institucional não contribuirão para a tão propagada melhoria da qualidade, representando antes um retrocesso político e educacional de caráter positivista, reacionário, quantitativo e anacrônico. Além do mais, este é um modelo de controle totalmente baseado no mercado. Quem sabe do valor de um processo educativo são aqueles que nele estão envolvidos! Aqui se põe a pergunta certa: quem são os que estão envolvidos no processo da educação e para que se deve avaliar? Daí decorre como conseqüência: como avaliar? E, sendo a escola uma organização complexa, um espaço de relações de poder, de conflito, de trocas, de interesses e perspectivas divergentes e não consensuais, não será através de uma prova, um teste, um exame, um questionário que se irá avaliar os limites e as possibilidades de um processo autêntico de educação.
A estatística de uma avaliação dos resultados de uma prova, um teste, um questionário pode dar uma resposta parcial de um fenômeno – isto é verdade- mas omite, esconde os outros componentes, às vezes imponderáveis. No caso, meia verdade pode abrigar meia mentira,mesmo que se apresente como verdade- Há mentiras históricas que pareciam verdade!

AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO
Para responder a este desafio deve-se questionar: Qual educação? Uma versão da educação leva a considerá-la como um serviço sujeito às leis do mercado, como um investimento que se oferece e se compra mediante resultados e neste enfoque não há lugar para a poesia, para a filosofia, para o pensamento, para a dignidade humana, para a solidariedade entre os seres humanos e o planeta. Uma escola que favoreça o acesso ao saber,mas também o acesso ao saber como prazer e como sentido, e este nenhum teste, prova, exame ou avaliação quantifica. A experiência da dignidade não se quantifica: ou ela acontece ou não. Dignidade humana e solidariedade ou existe plenamente ou não existe. Dignidade pela metade é MENTIRA.
O que faz a avaliação escolar, institucional?
É possível que ninguém de nós enfrente qualquer situação de prova sem tensão, ansiedade, mal-estar até físico. Especialmente é possível que nos lembremos os testes e as provas do tempo de escola como sendo as experiências mais desagradáveis que sofremos. É certo que um dos elementos mais fortes desencadeadores de nossos sentimentos de insegurança, de timidez, de auto-imagem negativos tenham sido as notas baixas, as reprovações e os fracassos nas infindáveis provas que suportamos no período de escola. E isto tem, certamente, um imponderável custo emocional que nos leva, ainda hoje, aos consultórios psiquiátricos e analíticos e, ou a comportamentos de fuga e compensação. Estes não só causam desgastes emocionais, mas também grandíssimos prejuízos sociais. Está claro também que os testes, as provas e exames têm pouca ou nenhuma contribuição para a aprendizagem e o desempenho escolar de todos. Outra evidência se manifesta na prova como um elemento de pressão, repressão, ameaça nas mãos dos docentes e da instituição para o controle e inculcação de conhecimentos, valores e comportamentos ideológicos e inúteis.
Tanto estas afirmações se impõem quanto mais nos apercebemos que de tudo o que a escola ensina apenas o currículo oculto ou ausente marcam nossos estudantes exatamente porque são subtis e subliminares contra os quais não há como se prevenir e se defender. Os valores, comportamentos e conhecimentos, especialmente estes, avaliados nas provas, exames e testes permanecem na memória dos estudantes o tempo suficiente para serem comprovados e depois serão automaticamente e sadiamente esquecidos ou arquivados como lixo tóxico no subconsciente.

Mas, então, porque os sistemas continuam avaliando desta forma seus alunos e seus professores através de todos os tempos e agora especialmente de forma paranóica?
Se não bastassem as "avaliações" compulsivas dos indivíduos, agora, surgem as avaliações institucionais, internas e externas para a "melhoria da qualidade".

Certamente, a grande tragédia da escola moderna pelas conseqüências que deixa no seu rastro é a avaliação; pela discriminação que institui como natural, pelos perdedores e fracassados que produz, pelos vencidos e excluídos que fabrica. Isto é grave porque não é só um processo escolar, mas já é um procedimento legitimado pela fábrica e pela empresa e, de forma generalizada, pela sociedade e pela opinião pública.

Um povo com baixo auto-conceito é, certamente, um povo facilmente manipulável; o sentimento de incapacidade e impotência ou de fracasso/perdedor é um péssimo conselheiro para qualquer ação construtiva. Uma forma de infantilizar qualquer indivíduo, grupo ou instituição é mantê-lo sob controle pelo sistema de recompensas e punições.

A avaliação queria ser um instrumento objetivo para a tomada de decisões. A ciência moderna, com sua euforia de possibilidades de dominação do mundo pelo domínio de suas leis, tornou-se o novo "ópio do povo". Formalmente sabemos, hoje, muito mais das leis que regem o universo dos homens e da natureza, porém a qualidade política regride para e destruição crescente do homem e da natureza.

O cientificismo, o endeusamento da razão objetiva está presente em todos os discursos da civilização e se esquece que a qualidade de vida, a felicidade humana não se encerram no horizonte formal e instrumental da ciência e da razão.

A escola é um espaço de relações humanas políticas e de conteúdos, onde educador e educando participam como atores; isto é, como seres históricos e portanto, nada nela é totalmente neutro. A ciência, a razão e seus instrumentos fazem crer que são neutros e portanto objetivos e verdadeiros. Quando todos acreditarmos que ai está a verdade, ela se torna mito e já não discutimos mais e nem vemos a mentira que este discurso da verdade esconde. A ciência não se compromete com a existência humana, com a felicidade da humanidade; seu compromisso está com a instrumentação do poder, sobretudo do poder econômico de alguns (homens, grupos ou nações), nunca de todos.

A realidade social humana é impulsionada por fatores imponderáveis, na maioria das vezes nada racionais ou "científicos". Entre estes fatores imponderáveis da história dos homens estão os sentimentos, as emoções, os desejos, os medos, as dúvidas, os tateios, a intuição, a paixão, os sonhos... Todos estes fatores influem, podem ser percebidos, avaliados, porém, dificilmente poderão ser medidos por testes, provas e exames.

Pode ser contestado, mas não tenho dúvidas que as avaliações escolares e institucionais são um forte fator de discriminação e seleção social, onde os discriminados e os selecionados não são os menos preparados ou os melhor preparados. Basta analisar os dados: quem é reprovado? De que classe, de que etnia, de que nível sócio-econômico-social provêm?
Além disto, nenhum educador acredita mais na armadilha ideológica das aptidões, dos dotes inatos. Nem acreditam mais os educadores honestos na lei do evolucionismo ingênuo da "vitória dos mais aptos". Isto é discutível para a evolução animal; muito mais discutível o é para o desenvolvimento humano. Outra conclusão de todos estes tempos da tragédia das avaliações escolares e institucionais é que sob o ponto de vista pedagógico as reprovações e a repetência nada servem para uma aprendizagem melhor; além da evidência que o fazer de novo a mesma coisa do mesmo jeito pode melhorar uma habilidade mecânica, nunca uma dimensão da inteligência. Acrescente-se a isto o dado indelével do rótulo de "reprovado", "repetente", "aluno com dificuldades especiais" ou "com dificuldades de aprendizagem". Aluno especial será sempre especial.. ou professor incompetente, para pior, na discriminação social.

Os testes, provas, exames,questionários dificilmente são utilizados para revisar os elementos e processos da educação: eles detectam as "falhas" dos alunos e dos professores os quais devem sofrer as conseqüências.
A crença no valor inquestionável das avaliações escolares nega a premissa de que todas as pessoas podem aprender tudo o tempo todo resguardadas algumas condições de tempo, de método, de acompanhamento, estimulação e desafio e, especialmente, de significação histórica, social e individual.

E, por último, é preciso desmoralizar a crença arraigada no imaginário social que a reprovação é normal, que sempre foi assim e que é justa. A escola que reprova, definitivamente, não é uma escola de alto nível, de qualidade superior; da mesma forma que disciplina e ordem não são características de uma escola e um processo pedagógico sérios. Não reprovar, não significa demagogismo: pode-se ensinar muito sem ser chato, autoritário e discriminatório.

Apelar para a ameaça da prova, do exame, para despertar o interesse do aluno e do professor é, certamente, um recurso muito pouco criativo e muito pouco inteligente.

Avaliar é necessário e possível, sem precisar reprovar, rotular, discriminar, sem traumatizar. Podemos fazer avaliação como um processo que leve alunos e professores a um juízo de qualidade sobre dados relevantes para uma tomada de decisão. É preciso repudiar a avaliação como mecanismo do autoritarismo e buscar a avaliação escolar como processo de democratização, de mediação, de diagnóstico que deverá, em vez de excluir, aprofundar a alegria na escola, a cooperação, a autonomia, o desenvolvimento humano e o progresso social.


[1] Conta-se que Watson realizou mais de 300 experimentos fracassados da lâmpada elétrica. Cada experimento fracassado ele aprendeu que este experimento não deu certo. Até que descobriu a lâmpada elétrica que revolucionou o tempo, os horários, os costumes da humanidade.

domingo, 12 de agosto de 2007

Nesta terra ainda se brinca


A Brincadeira e o jogo apesar das dificuldades e da massificação, ainda estão presentes. São naturalmente importantes para o desenvolvimento da pessoa. É preciso garanti-lhes tempo, espaço e condições. Nossas crianças teimosamente conquistam estas condições; nossos adultos precisam reconquistar este espaço perdido pelas exigências da vida para garantir seu equilíbrio ou evitar a fuga para compensações e/ou terapias.

Felizmente nossas crianças ainda brincam, apesar das dificuldades de tempo, de espaço, de objetos e da massificação da indústria do brinquedo e do lazer.

Em qualquer esquina, em qualquer calçada, em qualquer resto de espaço urbano e/ou rural há crianças se envolvendo em atividades lúdicas, as vezes com apelo a milagres da imaginação a qual consegue ultrapassar os limites do cotidiano e os desafios da sobrevivência.

Isto, indiscutivelmente, é sinal de psiquismos sadios e de energias indomáveis da vida. Mesmo nas situações mais trágicas aparecem manifestações gratuítas de ações lúdicas que fazem recordar a frase magistral de um psicólogo, amigo meu, que dizia: "Quem for capaz de dar risada de sua própria desgraça é certamente um homem equilibrado".

Mas, por que o brinquedo é tão importante?

A história do homem está intimamente ligada à sua capacidade de agir sobre o mundo e de atribuir significado ao mundo. A ação, a representação e a significação se constroem gradativamente em níveis cada vez mais complexos, mas conjuntamente.

Na criança, a ação, a interação com o meio, com os objetos e com os outros se faz graças ao movimento, à atividade que na idade infantil toma forma de brincadeiras. Num primeiro momento, o ser infantil age, se movimenta, tateia, entra em contato com o mundo, via sentidos, pelo impulso da vida que se apóia em dois eixos inseparáveis: o interno e o externo. A par do movimento vai se formando, de forma precária, a linguagem. Tanto esse processo é conjunto que a criança já não age sem, concomitantemente, emitir sinais de linguagem, mesmo que sejam indistintos e incompreensíveis para os outros. Mesmo porque, neste momento, a linguagem não visa a comunicação; mas a organização da ação. Aos poucos, e muito vagarosamente, a linguagem interioriza a ação e pode preceder a ação.

Na existência infantil, cercada de dificuldades e limitações, a ação, sua expressão e seu projeto vão de encontro à opacidade do real. Pelo fato de, ainda, a criança não ter maiores compromissos com o real, ela possui a capacidade de desrespeitá-lo e ultrapassá-lo através da imaginação. Ela pode dar-se o direito de sonhar todo um mundo fantástico que tem pouco a ver com o seu cotidiano imediato sem por isto ser responsabilizada - e neste mundo ela divaga, constrói e destrói castelos e heróis e ela mesma pode se erigir o grande herói, fada ou monstro.

A nós adultos, cheios de preocupações e responsabilidades, pode isto tudo parecer passatempo ou perda de tempo - especialmente quando os homens do norte nos disseram "tempo é dinheiro".

Para a psicologia psicogenética, o pensamento abstrato é construído via ação, interação, movimento, que inicia com aspectos simplesmente sensório-motores, depois representações e simbolizações do concreto, depois operações concretas; nunca sem passar por estas etapas, mesmo que tardiamente.

Em todas essas etapas, a maneira não formal de organização é, em todas as crianças, a brincadeira.

Na brincadeira, a criança já opera; isto é, age numa esfera cognitiva porque sua contribuição sobre o real parte tanto do seu interior quanto das propriedades dos objetos. Na brincadeira, o pensamento, as elaborações psíquicas têm alguma relação com o real; mas o ultrapassam, criando dimensões, imagens, regras, significados, que passam a predominar sobre o real. Este processo elabora as estruturas fundamentais do pensamento abstrato.

A criação de um situação imaginária que enriquece o real próximo, é a primeira emancipação da criança em relação às restrições situacionais.

Pela atividade, pela imaginação, pela fantasia, pela interação com os outros, a criança passa a viver situações novas que solicitam elaborações psicológicas novas, gradativamente mais complexas. Isto explica também a mudança das brincadeiras, que de início, estão mais ligadas ao imediato e à imitação, até chegar às brincadeiras de regras, as quais chegam a níveis bastante rígidos que disciplinam a aquisição dos desejos, embora fictícios; mas desafiam e introduzem a criança numa zona de "desenvolvimento potencial" altamente construtivo.

Há outro aspecto importante na brincadeira para o desenvolvimento infantil: a conquista da autonomia. Podendo a criança criar seu mundo fictício, estabelecer suas regras, projetar sua ação, ela está livre dos autoritarismos da situação real, fazendo um exercício de tomada de decisões que, posteriormente, comporão sua identidade política como cidadão.

A brincadeira, assim considerada, vale por si, por sua gratuidade, por sua "inutilidade". Qualquer adjetivação, por exemplo, brinquedos educativos, ou de gênero, ou de violência, ou de competição, é desnecessária e pode ser uma armadilha, atribuindo-lhe uma importância ou um condicionamento desnecessários.

Os brinquedos educativos, introduzidos rigorosamente na escola por Maria Montessori, podem ser proveitosos por seu caráter pedagógico, mas perdem , em parte, seu caráter lúdico e sua dimensão maior de criação e imaginação. O mesmo pode se dizer dos brinquedos eletrônicos, com dois agravantes: o comprometimento integral do jogador às normas e regras preestabelecidas no programa, as quais a criança deve previamente assumir; e a relação fria com a "máquina": os outros, os objetos do mundo, a cultura e a existência humana apenas são elaborados na sua forma estereotipada e "desistorizada". Tem como vantagem desenvolver a agilidade intelectual de perceber os esquemas do programa e adiantar-se à sua lógica e desenvolver a habilidade de manipular botões, teclas, controles, mais ou menos mecânicos. Não há espaços para diálogos, questionamentos e reflexões; especialmente, é incompatível com este tipo de jogo, a criação.

Para ser educativa, a brincadeira, deve antes de tudo ser jogo; deve ser uma atividade que traz a marca e a expressão natural do ser e do eu da criança e, portanto, que a criança tenha garantido o tempo e condições de jogo como um direito.

Para o adulto que está em contato com a criança, é fundamental que recupere o lúdico em sua vida.

As brincadeiras e os jogos assim considerados, trazem no seu processo, a história da cultura de uma coletividade e, por isto, tanto são importantes para mediar a construção da identidade de um grupo humano, quanto são sinais indicativos das características específicas deste grupo. Os grupos porém, não são homogêneos. Em cada grupo humano há jogos e jogos, atividades e atividades, com valorações pessoais e históricas significativas e características.

Carlos Drummond de Andrade diz de forma poética esta contradição que indica situações, interesses, valores e culturas específicas como aparece neste poema:

OS GRANDES

E falam de negócio
De escrituras demandas hipotecas
de apólices federais
de vacas paridas
de éguas barganhadas
de café tipo 4 e tipo 7

Incessantemente falam de negócio.
Contos, contos, contos de réis saem das bocas
circulam pela sala em revoada,
forram as paredes, turvam o céu claro
perturbando meu brinquedo de pedrinhas
que vale muito mais.

Carlos Drummond de Andrade


Mesmo com dificuldades vale a pena valorizar o lúdico presente em nossas crianças e reconquistar o lúdico perdido ou compensado de nossos educadores. Conseguir brincar é aproveitar uma situação privilegiada para o desenvolvimento e um sinal de equilíbrio.

E então, por que você não curte a brincadeira das crianças e não vai você também brincar?

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Outra cidade é possível

Resumo: Este texto visa alertar para a urgência de se projetar outra organização da cidade moderna. Da forma como a cidade se estruturou na modernidade se tornou inviável para a convivência humana. Em função de sua opção pelo mercado e pelo consumismo numa sociedade de desiguais, de incluídos-excluídos a cidade morre todos os dias, um pouco como espaço de convivência, de encontro e solidariedade.
Predomina a insegurança, as inúmeras formas de violência e as incontroláveis poluições. Se assim a cidade se estabelece o foi por escolhas históricas; então poderá ser reconstituída por novas opções a partir de novos parâmetros. Quem faz a cidade são as pessoas que aí moram, porém em absoluta desigualdade de condições.
Outra cidade é possível se dermos prioridade à parte de sua população mais frágil: suas crianças e a cidade sendo boa para as crianças o será para todos. Ela será mais bonita, mais segura, mais leve, menos violenta e mais feliz.
Inspirados nas características predominantes da infância e em experiências internacionais de “cidades das crianças”, propomos a reflexão sobre outra cidade possível.

Palavras chave: infância, cidade, educação e políticas públicas.


Uma cidade é constituída por suas casas, prédios, praças e pessoas. Isto todas as cidades têm. Além disto, uma cidade possui outras coisas que a gente não vê, que é o seu jeito de ser, que é sua “alma”. Ela pode ser bonita, colorida, cheia de árvores, muitas floridas, muitas pessoas se encontrando, se ajudando, se abraçando, muitas crianças passeando de mãos dadas com suas mães, brincando com outras crianças, tomando sorvetes (de cinco bolas)... têm casas, que dentro moram outras crianças, que tem janelas abertas e nas janelas existem flores e, à noite, estão iluminadas. As cidades serão para as pessoas passarem, e que às vezes passam também carros e caminhões. Mas as ruas são para as pessoas; se forem para carros somente, elas não terão “alma”.
É difícil chegar a uma definição única dos diversos tipos de cidades que se constituíram historicamente. SPENGLER (2002) elabora uma definição mais ampla e metafórica que acolhe as diferentes espécies de cidade.

“o que distingue a cidade da aldeia não é extensão, não é o tamanho, se não a presença de uma alma cidadã...O verdadeiro milagre é quando nasce a alma de uma cidade. Subitamente, sobre a espiritualidade geral da cultura, destaca-se a alma da cidade, como uma alma coletiva de nova espécie, cujos últimos fundamentos permanecerão para nós um eterno mistério. E uma vez descoberta, forma um corpo visível. A coleção de casas da aldeia, cada uma das quais tem sua própria história, se converte em um conjunto único. E este conjunto vive, respira, cresce, adquire um rosto peculiar e uma forma e história internas. A partir deste momento, além da casa particular, do templo, da catedral e do palácio constitui a imagem urbana em sua unidade objeto de um idioma de formas e de uma história estilística, que acompanha em seu curso todo o ciclo vital de uma cultura”.


Existem, em toda parte, aglomerações humanas, muito consideráveis, que não se constituem cidade. São centros, porem não formam, interiormente, mundos completos. Não têm alma. São agrupamentos, mas não são cidades. São mercados, pontos de interesses mercantis ou financeiros...Onde não se pode dizer que se viva uma vida peculiar e própria. Com a revolução industrial teve origem, certamente, a cidade moderna sem alma, com seu brutal e caótico desenvolvimento, sem lei e sem controle sob o pragmatismo utilitarista. Cidades “desalmadas” construídas e reputadas como símbolo do progresso.
Uma cidade só terá “alma” se garantir a vida plena e digna de todos. E a vida exige também beleza, gratuidade, cultura, solidariedade e bem-querer.
O que compõe uma cidade em contraposição ao rural, é a proximidade: estar junto é melhor. Ou não. Depende para que as gentes querem estar juntos. O que aproxima as pessoas, os objetos e as construções são as relações que existem entre todos – caso contrário, no outro lado da rua pode começar o oceano infinito e a escuridão, a insegurança.
Todas as cidades são iguais? Não, a minha cidade guarda minhas mais belas lembranças e meus sonhos mais lindos. Nenhuma outra é assim... ela esconde um tesouro que é preciso descobrir todos os dias. Contudo, embora esta cidade seja minha, ela é constituída por muitos, por muitas e contraditórias relações.
“Marco Pólo descreve uma ponte, pedra por pedra.
- Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? – pergunta Kublai Khan. – A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra – responde Marco -, mas pela curva do arco que estas formam.
Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta: - Por que falar de pedra? Só o arco me interessa. Pólo responde: - Sem pedras o arco não existe”.

(Ítalo Calvino, 1999)
Ou humanizamos nossa cidade ou ela nos consome, com sua correria, sua violência desalmada, suas incontroláveis poluições, seus medos... A humanização se fará quando os homens e as mulheres, as crianças, os adultos e os idosos começarem a acreditar que o outro, antes que se prove o contrário, é bom, solidário, amigo com quem podemos caminhar de braços dados ou encontrá-lo em qualquer rua e não passar sem abraçá-lo.
A cidade, se todos quiserem, também pode aconchegar pela infra-estrutura: os locais públicos serão seguros, limpos e bonitos – evitar-se-á, de toda forma que alguém corra qualquer tipo de risco; os muros se forem necessários, que sejam para acolher, não para afastar e isolar; que as fábricas e as instituições comerciais e financeiras ajudem a produzir e comercializar bens para uso de todos e seu bem-estar esqueçam o lucro e o progresso a qualquer custo. As escolas serão centros de cultura, os estádios espaços de festa, as igrejas monumentos para celebração da vida, do encontro e da alegria.
Se cada cidadão colocar sua pedra, o arco da ponte fará a ligação entre o sonho da cidade feliz e o cotidiano daqueles que aí vivem.
Ou fazemos uma cidade habitável e humana ou migramos todos para a “cidade virtual”, a “cidade eletrônica”, fechados no castelo da nossa casa, do nosso apartamento, do nosso condomínio dourado. Da nossa solidão transitamos pelas ruas das cidades do mundo e fazemos compras, nos divertindo, participando de todas as novidades da cultura, da arte e de todas as formas de comunicação e informação; mas permaneceremos sós. Da cidade como uma construção histórica para o encontro, voltamos para a era da caverna ilustrada, sim, mas isolada.
O que será uma cidade feliz? A escola e especialmente as crianças poderão nos dizer qual será a cidade ideal:
A cidade deverá ter alamedas verdes,
A cidade dos meus amores,
Quem dera os moradores
... e os pintores e os vendedores,
... as senhoras e os senhores,
... os guardas e os inspetores
fossem somente crianças”.
(Irmãos Grimm – Os músicos de Bremem. Adaptação de Chico Buarque nos Saltimbancos).

Não dá para advogar uma cidade só para crianças. Isto significaria a institucionalização da cidade para a infância, correndo o risco sério de propor a cidade para o “disciplinamento dos corpos e das mentes”. Uma forma de dominação, de inclusão de alguns e de exclusão dos outros.
A “cidade dos homens” é uma invenção histórica voltada exclusivamente para os desejos e as necessidades humanas. Nesta cidade haverá lugar para todos: crianças, homens e mulheres, trabalhadores e artistas, praças, igrejas e fábricas... mas, tendo a função de todos fruirem da vida verdadeira, que valha a pena!
A cidade, nesta ótica, jamais seria uma paisagem inerte, nem mesmo natureza morta, porem um núcleo ativo de intercâmbios e trocas de todas as formas.
Cidades dos homens” (alusão a obra de Santo Agostinho “ A cidade de Deus”) é interpretada como

“... sendo uma instituição social que, como a família, a escola, o Estado, a economia, a propriedade, a ideologia e a utopia são consideradas criações humanas... onde os seres humanos poderão fundar suas instituições e fixar suas leis em busca da liberdade, da solidariedade, da justiça e do bem estar dos indivíduos e da sociedade, transcendendo a realidade empírica alcançada”. (FREITAG, 2002, p.10).

Na linha da evolução humana sobreviveram e se desenvolveram aqueles grupos de animais capazes ou circunstancialmente obrigados a viverem juntos, a serem solidários. Tanto isto é verdade que, por hipótese a espécie humana não é descendente dos dinossauros, mas dos símios: não são os mais fortes que sobreviveram, mas os mais solidários. Assim fizeram seu espaço de existência nos bandos, nos grupos, nas cavernas, nas tabas, nas aldeias... nas cidades. No grupo se estabelecia o encontro, a segurança, as trocas, a sobrevivência. Neste ambiente, assim articulado, pode haver igualdade na diferença, a solidariedade, a proteção coletiva, as parcerias. A cidade como espaço multitudinário, sinuoso e enviesado... ensolarado e ao mesmo tempo carregado de silêncios e incógnitas. O que gera a cidade que ameaça é a sociedade desigual e injusta, excludente e exploradora. Daqui nasce a violência, não da proximidade dos humanos. Houve um tempo em que a cidade dos seres humanos coube às mulheres o papel em função dos cuidados da próle, dos doentes e dos velhos e também do cultivo da terra e da veneração dos mortos (antes da pólis teria surgido a necrópolis?!).
A nova cidade que necessita urgentemente ser reinventada será decorrência de uma nova organização social para além do capital em todas suas formas de exploração. Será equânime, pluriétnica, intercultural, ecumênica. Será solidária, produtora de cidadania e de cidadãos emancipados. Será a moradia dos humanos reencontrados.
Esta reinvenção certamente não será articulada nem pelos homens, nem pelas mulheres. Talvez a articulação de uma nova forma de relações entre os humanos seja daqueles seres que essencialmente necessitam de humanidade: a criança. Uma cidade boa será aquela que respeita nossas crianças.
“... se reconhecermos à criança a competência, se para ela desejamos a autonomia que ela precisa, e se nos convencermos de que a criança pode ser uma grande aliada para a mudança real e radical da cidade na perspectiva de uma cultura da infância a pergunta será: como a criança pode ajudar os adultos?
Esse é o sentido do projeto “A Cidade das Crianças”, esse é o cerne de uma filosofia de governo da cidade: “assumir a criança como parâmetro para garantir a todos os cidadãos a partir dos mais fracos, na certeza de que se uma cidade for adequada às crianças, será uma boa cidade para todos”. ( TONUCCI, 2005 p. 209)

Fazer das escolas e das cidades a casa das crianças é neste início de século XXI um dos grandes desafios, na possibilidade de humanização, revendo o nosso próprio mundo de uma forma mais pacífica e bela. Esse mundo se materializa no cotidiano da cidade.
No dia em que uma criança pegar em teu dedo e sair caminhando contigo, tu jamais te livrarás dela! Ela terá te capturado para sempre e juntos poderemos vislumbrar uma outra cidade possível.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARIÉS , Philippe. História Social da Criança. 2ª ed. Rio de Janeiro-LTC Editora, 1981.
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez, 2001.
FREITAG, Barbara. Cidade dos Homens. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro Ltda., 2002.
GADOTTI, Moacir; PADILHA, P.R; CABEZUDO, A. Cidade Educadora: princípios e Experiências.São Paulo: Cortez, 2004.
SPLENGLER. La decadência del occidente, vol. III, p. 131.In GOITIA, F.C. Breve história del urbanismo. Madrid, Alianza Editorial, 2002, p 16 e 17.
GOMÉZ- Granell, C; VILA, I. A Cidade como Projeto Educativo. Porto Alegre: Artmed, 2003.
HILLMAN, James. Cidade e Alma. São Paulo: Stúdio Nobel, 1993.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. O Jogo Como Elemento da Cultura. São Paulo: Perspectiva, 2004.
MATURANA, H. R.; VERDEN-ZÖLLER, G. Amar e Brincar – Fundamentos esquecidos do humano. São Paulo: Palas Athena, 2004.
POSTMAN, Neil. O Desaparecimento da Infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999.
REDIN, Euclides. O espaço e o tempo da criança: se der tempo a gente brinca. Porto Alegre: Mediação, 1998.
REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime J., WÜRDIG, Rogério C. Políticas Públicas para a cidade educadora na perspectiva da infância: interfaces entre o lúdico, a escola e a cidadania. Revista Educação Unisinos, n. 13, v.7, jul/dez, 2003.
SANTIN, Silvino. Educação Física: uma abordagem filosófica da corporeidade. Coleção Ensaios – política e Filosofia, 02 –Livraria UNIJUÏ Editora, 1987.
______. Educação Física: da alegria do lúdico à opressão do rendimento. Edições EST/ESEF-UFRGS, Porto Alegre, 1994.
SARMENTO, Jacinto Manuel. O Estudo de Caso Etnográfico em Educação. Instituto de Estudos da Criança. Universidade do Minho, Braga, Portugal. Capítulo de Tese de Doutorado, 2000.
______. Educação e Políticas de Exclusão: A negação dos Direitos da Infância. Fórum Mundial de Educação. Porto Alegre, 2001
______. As Culturas da Infância nas Encruzilhadas da 2ª Modernidade, 2003 (texto mimeo).
WINNICOTT, D. W. O Brincar & a Realidade.Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda., 1975.
TONUCCI, Francesco. La cittá dei bambini. Laterza & Figli Spa, Roma-Bari, 1996.
______. Quando as crianças dizem: Agora chega. Porto Alegre: Artmed, 2005
ZITKOSKI, Jaime José. Uma perspectiva a partir da Cidade Educadora. Informativo da Assoc. dos Docentes da UNISINOS, n. 33, junho de 2004.

COMPETÊNCIAS PARA QUE E PARA QUEM?

Reflexões elaboradas a partir da mesa temática: “ O mercado da educação e a educação do mercado” realizada no IV Congresso Internacional de Educação/UNISINOS (31 – 02 setembro de 2005).

Qualidade total, modernização da escola, adequação do ensino à competitividade do mercado internacional, nova vocacionalização, incorporação das técnicas e linguagens da informática e da comunicação, abertura das universidades aos financiamentos das empresas, pesquisas práticas, utilitárias. Produtividade: este é o discurso sedutor neoliberal para a educação.
É preciso perguntar: esta nova vocacionalização serve para que e para quem?
A modernização acelerada, a reforma educacional aumenta o poder de inculcação por meio do consenso ideológico, apresentando uma face progressista porque atrelada a uma “nova ordem mundial”. Isto significa garantir um máximo de liberdade ao mercado com um mínimo de direitos sociais. A nova ordem mundial impôs esta lógica própria do neoliberalismo. Não é próprio do cidadão acreditar que isto é natural.
“Não diga nunca: isto é natural” (B. Brecht)

1) ESCOLA E MERCADO: A LÓGICA DAS COMPETÊNCIAS.

O discurso de que a educação será a solução de todos os males da pobreza, violência e do subdesenvolvimento quase nos convence: vamos mal porque nossa educação vai mal!
No credo neoliberal do mercado absoluto e da sociedade do conhecimento a educação é proclamada como bem-capital mais importante. As mudanças vertiginosas que vivemos são atribuídas ao poder das novas tecnologias da informática e da globalização dos mercados financeiros. Isto faz acreditar num novo mundo, unificado e uniformizado que exige um suporte de “pensamento único”. Mercado e comunicação (ou informação) são os grandes modelos indiscutíveis aos quais todos devem se adaptar e submeter. Esta é a lógica impiedosa do mercado total. Também serão submetidas as esferas do trabalho e da educação.
O trabalho, atrelado à lógica do mercado globalizado é reduzido às suas dimensões instrumental e comercial. O mercado passa a comandar os critérios de classificação dos empregos ou postos de trabalho – abrindo alguns e extinguindo muitos. O mercado define as qualificações e o valor-preço da força de trabalho e suas modalidades, instalando a nova era do emprego: o do mínio da “flexibilização”. Em decorrência, a escola se transforma em uma empresa “flexível”, produtora de trabalhadores dotados de “competências”. A naturalização da onipotência da empresa e do mercado define as aptidões técnico-profissionais e as atitudes comportamentais que a Escola deve viabilizar: disto depende a “empregabilidade” dos profissionais preparados pela escola. Se o mercado dita o perfil e as competências do trabalhador que necessita, a escola o prepara nesta lógica, ele deverá sair-se bem, caso contrário, o problema é do profissional.


“Configura-se, assim, um sistema de ensino regido pelos princípios de eficiência, competitividade e flexibilidade que, através de um processo neo-taylorista contínuo, forma recursos humanos multiusos, disciplinados, informatizados e recicláveis, ou seja, um novo tipo de trabalhador capaz de garantir um fluxo de trabalho contínuo e variável, conforme o nível de atividade das empresas empregadoras” (CASTRO, 2004, p 79-80).

Esta nova organização do trabalho, a nova lógica perversa e o seu discurso apagam da memória e da linguagem dos trabalhadores termos como operário assalariado, proletariado, burguesia, exploração capitalista, luta de classes, capitalismo monopolista ou imperialismo financeiro.

2) A ILUSÓRIA VALORIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO.

O pleno controle do trabalho pelo capital e o discurso do capital onipotente faz com que a educação forneça formação continuada atrelada às novas competências; isto é, formação flexível para sujeitos semi-automatizados para desenvolver trabalhos fluidos, mutáveis para resultados sob controle de “qualidade”. Níveis maiores de escolarização não garantem melhores oportunidades de emprego nem acesso mais fácil aos direitos sociais e aos bens sociais. A retórica oficial da centralidade da educação para garantir crescimento econômico e emprego é falaciosa. O que existe, de fato, é uma tremenda crise no mundo do trabalho e do emprego.

A noção de competências deriva da afirmação básica de que existe uma grande diferença entre preparo técnico e educacional do trabalhador e o envolvimento efetivo do mesmo na realidade prática do trabalho ou mesmo da vida social. O termo competência tem sido utilizado para identificar, classificar e nomear capacidades pessoais de operacionalização e de efetivação eficiente desses recursos diante de situações concretas do trabalho e da vida social.

“No contexto atual da crise do trabalho e do capital, esta noção vem compondo, ao lado de outras como, qualidade, excelência, competitividade, empregabilidade, trabalhabilidade, laboralidade, uma orientação discursiva e proposições que têm sido utilizadas como eixo normativo na elaboração e implementação de políticas voltadas para o trabalho, o emprego e a educação. Ela tem sido utilizada como um dos instrumentos de transformação de comportamentos institucionais e individuais orientada à adaptação ao contexto social atual,caracterizado por profundas modificações nos processos concorrenciais no mundo do trabalho, nas formas de regulação da relação entre oferta e demanda de força de trabalho e nas estratégias de mobilização e de gestão dos trabalhadores”.(MACHADO,2002, p 93).

No desemprego estrutural que a nova realidade do trabalho, das novas tecnologias e da globalização; na nossa gestão do trabalho e do emprego surgem duas dinâmicas.

“A da flexibilização das relações de trabalho e dos direitos sociais adquiridos e a que impõe a prerrogativa de um conceito de qualidade que significa na sua essência aumento de controle sobre ganhos de produtividade e de lucratividade, a despeito da sobrecarga e intensificação do trabalho dos que conseguem barganhar sua força de trabalho e das dificuldades de sobrevivência da maioria crescente dos que nem chegam a isso”. (MACHADO, 2002, p. 94)

No Brasil existem dezenas de dispositivos legais exigindo a implementação das competências no campo da educação e em decorrência, inúmeros projetos político-pedagógicos de cursos, faculdades, Universidade e escolas implantando, sem nenhum constrangimento, esta lógica e estes procedimentos. São os economistas ditando as orientações da Educação aos educadores.

Isto não desmerece a luta incansável da Educação de qualidade social para todos e em níveis cada vez mais elevados como condição de melhor realização humana e cidadã dos indivíduos e da sociedade. Sem negar a realidade básica de organização do trabalho e as relações de produção, precisamos propor uma educação para além do capital e não atrelada ao sistema do mercado.
Então desconfiemos sempre, na educação se surgirem apelos para competências, competitividade, emprendedorismo, talentos, profissionalização docente, inclusão/exclusão social, equidade, controle de qualidade, globalização, homogeneização de processos, avaliação, eficiência e eficácia, sustentabilidade e excelência, multiculturalismo, liderança, gerenciamento e reengenharia.
Podemos não estar entendendo a mesma coisa. Duvidemos sempre e perguntemos: isto é bom para quem?! E por quê?!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTRO, Ramon Pena. Escola e Mercado. Revista Perspectiva, UFSCar. Vol. 22, no 01, 2004, p. 79 – 80.
MACHADO, Lucilia. A institucionalização da lógica das competências no Brasil. In Revista Pró-Posições, vol. 13, no 01 (37), jan-abr. 2002, p.93.