segunda-feira, 13 de agosto de 2007

MENTIRAS QUE PARECEM VERDADE

MENTIRAS QUE PARECEM VERDADE:
PARA QUE SERVE A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL
EUCLIDES REDIN


Qualquer avaliação que não ensine alguma coisa é inútil, senão prejudicial[1].
Desde algum tempo assistimos a um crescente protagonismo de avaliações como dispositivo universal de melhoria da “qualidade”. A avaliação de forma explícita e intencional passa a incidir não apenas nos resultados acadêmicos dos estudantes, dos professores, dos administradores e demais processos; mas também na própria definição e implementação de políticas públicas educativas nas atividades das escolas e nas ações dos professores e dos sistemas. A isto se denominou de projeto de modernização conservadora: possibilidade de se transformar em instrumento eficaz para introduzir mudanças inspiradas numa nova ideologia da nova direita- uma espécie de opção política, econômica e cultural onde se fundem valores e interesses contraditórios de origem liberal e conservadora que viabilizarão medidas e decisões de caráter híbridos tomadas por diferente governos e gestões de países e instituições de todos os campos do saber e do fazer.
Neste contexto, verifica-se que uma das expressões mais fortes da nova obsessão avaliativa é o retorno aos exames nacionais pretendendo cumprir duas funções básicas complementares: servir de instrumento para reforçar o controle central por parte do estado (e, ou da instituição) relativamente ao que se ensina (e como se ensina) nas escolas e, simultaneamente, promover pressões competitivas entre os estabelecimentos de ensino públicos e privados, induzindo um efeito de hierarquização e de emulação através da publicização e ampla divulgação dos resultados. (cf. AFONSO, Almerindo J. “As escolas em avaliações: a viabilidade e responsabilização”- em Administração educacional. Ver do Fórum Português de Administração educacional, n0 1, 2001, p.22-27).
Estes dispositivos de avaliação externa e institucional não contribuirão para a tão propagada melhoria da qualidade, representando antes um retrocesso político e educacional de caráter positivista, reacionário, quantitativo e anacrônico. Além do mais, este é um modelo de controle totalmente baseado no mercado. Quem sabe do valor de um processo educativo são aqueles que nele estão envolvidos! Aqui se põe a pergunta certa: quem são os que estão envolvidos no processo da educação e para que se deve avaliar? Daí decorre como conseqüência: como avaliar? E, sendo a escola uma organização complexa, um espaço de relações de poder, de conflito, de trocas, de interesses e perspectivas divergentes e não consensuais, não será através de uma prova, um teste, um exame, um questionário que se irá avaliar os limites e as possibilidades de um processo autêntico de educação.
A estatística de uma avaliação dos resultados de uma prova, um teste, um questionário pode dar uma resposta parcial de um fenômeno – isto é verdade- mas omite, esconde os outros componentes, às vezes imponderáveis. No caso, meia verdade pode abrigar meia mentira,mesmo que se apresente como verdade- Há mentiras históricas que pareciam verdade!

AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO
Para responder a este desafio deve-se questionar: Qual educação? Uma versão da educação leva a considerá-la como um serviço sujeito às leis do mercado, como um investimento que se oferece e se compra mediante resultados e neste enfoque não há lugar para a poesia, para a filosofia, para o pensamento, para a dignidade humana, para a solidariedade entre os seres humanos e o planeta. Uma escola que favoreça o acesso ao saber,mas também o acesso ao saber como prazer e como sentido, e este nenhum teste, prova, exame ou avaliação quantifica. A experiência da dignidade não se quantifica: ou ela acontece ou não. Dignidade humana e solidariedade ou existe plenamente ou não existe. Dignidade pela metade é MENTIRA.
O que faz a avaliação escolar, institucional?
É possível que ninguém de nós enfrente qualquer situação de prova sem tensão, ansiedade, mal-estar até físico. Especialmente é possível que nos lembremos os testes e as provas do tempo de escola como sendo as experiências mais desagradáveis que sofremos. É certo que um dos elementos mais fortes desencadeadores de nossos sentimentos de insegurança, de timidez, de auto-imagem negativos tenham sido as notas baixas, as reprovações e os fracassos nas infindáveis provas que suportamos no período de escola. E isto tem, certamente, um imponderável custo emocional que nos leva, ainda hoje, aos consultórios psiquiátricos e analíticos e, ou a comportamentos de fuga e compensação. Estes não só causam desgastes emocionais, mas também grandíssimos prejuízos sociais. Está claro também que os testes, as provas e exames têm pouca ou nenhuma contribuição para a aprendizagem e o desempenho escolar de todos. Outra evidência se manifesta na prova como um elemento de pressão, repressão, ameaça nas mãos dos docentes e da instituição para o controle e inculcação de conhecimentos, valores e comportamentos ideológicos e inúteis.
Tanto estas afirmações se impõem quanto mais nos apercebemos que de tudo o que a escola ensina apenas o currículo oculto ou ausente marcam nossos estudantes exatamente porque são subtis e subliminares contra os quais não há como se prevenir e se defender. Os valores, comportamentos e conhecimentos, especialmente estes, avaliados nas provas, exames e testes permanecem na memória dos estudantes o tempo suficiente para serem comprovados e depois serão automaticamente e sadiamente esquecidos ou arquivados como lixo tóxico no subconsciente.

Mas, então, porque os sistemas continuam avaliando desta forma seus alunos e seus professores através de todos os tempos e agora especialmente de forma paranóica?
Se não bastassem as "avaliações" compulsivas dos indivíduos, agora, surgem as avaliações institucionais, internas e externas para a "melhoria da qualidade".

Certamente, a grande tragédia da escola moderna pelas conseqüências que deixa no seu rastro é a avaliação; pela discriminação que institui como natural, pelos perdedores e fracassados que produz, pelos vencidos e excluídos que fabrica. Isto é grave porque não é só um processo escolar, mas já é um procedimento legitimado pela fábrica e pela empresa e, de forma generalizada, pela sociedade e pela opinião pública.

Um povo com baixo auto-conceito é, certamente, um povo facilmente manipulável; o sentimento de incapacidade e impotência ou de fracasso/perdedor é um péssimo conselheiro para qualquer ação construtiva. Uma forma de infantilizar qualquer indivíduo, grupo ou instituição é mantê-lo sob controle pelo sistema de recompensas e punições.

A avaliação queria ser um instrumento objetivo para a tomada de decisões. A ciência moderna, com sua euforia de possibilidades de dominação do mundo pelo domínio de suas leis, tornou-se o novo "ópio do povo". Formalmente sabemos, hoje, muito mais das leis que regem o universo dos homens e da natureza, porém a qualidade política regride para e destruição crescente do homem e da natureza.

O cientificismo, o endeusamento da razão objetiva está presente em todos os discursos da civilização e se esquece que a qualidade de vida, a felicidade humana não se encerram no horizonte formal e instrumental da ciência e da razão.

A escola é um espaço de relações humanas políticas e de conteúdos, onde educador e educando participam como atores; isto é, como seres históricos e portanto, nada nela é totalmente neutro. A ciência, a razão e seus instrumentos fazem crer que são neutros e portanto objetivos e verdadeiros. Quando todos acreditarmos que ai está a verdade, ela se torna mito e já não discutimos mais e nem vemos a mentira que este discurso da verdade esconde. A ciência não se compromete com a existência humana, com a felicidade da humanidade; seu compromisso está com a instrumentação do poder, sobretudo do poder econômico de alguns (homens, grupos ou nações), nunca de todos.

A realidade social humana é impulsionada por fatores imponderáveis, na maioria das vezes nada racionais ou "científicos". Entre estes fatores imponderáveis da história dos homens estão os sentimentos, as emoções, os desejos, os medos, as dúvidas, os tateios, a intuição, a paixão, os sonhos... Todos estes fatores influem, podem ser percebidos, avaliados, porém, dificilmente poderão ser medidos por testes, provas e exames.

Pode ser contestado, mas não tenho dúvidas que as avaliações escolares e institucionais são um forte fator de discriminação e seleção social, onde os discriminados e os selecionados não são os menos preparados ou os melhor preparados. Basta analisar os dados: quem é reprovado? De que classe, de que etnia, de que nível sócio-econômico-social provêm?
Além disto, nenhum educador acredita mais na armadilha ideológica das aptidões, dos dotes inatos. Nem acreditam mais os educadores honestos na lei do evolucionismo ingênuo da "vitória dos mais aptos". Isto é discutível para a evolução animal; muito mais discutível o é para o desenvolvimento humano. Outra conclusão de todos estes tempos da tragédia das avaliações escolares e institucionais é que sob o ponto de vista pedagógico as reprovações e a repetência nada servem para uma aprendizagem melhor; além da evidência que o fazer de novo a mesma coisa do mesmo jeito pode melhorar uma habilidade mecânica, nunca uma dimensão da inteligência. Acrescente-se a isto o dado indelével do rótulo de "reprovado", "repetente", "aluno com dificuldades especiais" ou "com dificuldades de aprendizagem". Aluno especial será sempre especial.. ou professor incompetente, para pior, na discriminação social.

Os testes, provas, exames,questionários dificilmente são utilizados para revisar os elementos e processos da educação: eles detectam as "falhas" dos alunos e dos professores os quais devem sofrer as conseqüências.
A crença no valor inquestionável das avaliações escolares nega a premissa de que todas as pessoas podem aprender tudo o tempo todo resguardadas algumas condições de tempo, de método, de acompanhamento, estimulação e desafio e, especialmente, de significação histórica, social e individual.

E, por último, é preciso desmoralizar a crença arraigada no imaginário social que a reprovação é normal, que sempre foi assim e que é justa. A escola que reprova, definitivamente, não é uma escola de alto nível, de qualidade superior; da mesma forma que disciplina e ordem não são características de uma escola e um processo pedagógico sérios. Não reprovar, não significa demagogismo: pode-se ensinar muito sem ser chato, autoritário e discriminatório.

Apelar para a ameaça da prova, do exame, para despertar o interesse do aluno e do professor é, certamente, um recurso muito pouco criativo e muito pouco inteligente.

Avaliar é necessário e possível, sem precisar reprovar, rotular, discriminar, sem traumatizar. Podemos fazer avaliação como um processo que leve alunos e professores a um juízo de qualidade sobre dados relevantes para uma tomada de decisão. É preciso repudiar a avaliação como mecanismo do autoritarismo e buscar a avaliação escolar como processo de democratização, de mediação, de diagnóstico que deverá, em vez de excluir, aprofundar a alegria na escola, a cooperação, a autonomia, o desenvolvimento humano e o progresso social.


[1] Conta-se que Watson realizou mais de 300 experimentos fracassados da lâmpada elétrica. Cada experimento fracassado ele aprendeu que este experimento não deu certo. Até que descobriu a lâmpada elétrica que revolucionou o tempo, os horários, os costumes da humanidade.

2 comentários:

Mayana Redin disse...

Fico com uma questão, depois de ler essa reflexão no mínimo polêmica para muitos: eu enquanto estudante e também enquanto incluída social e moralmente passo a incorporar diariamente respostas que me defendam de todos os tipos de testes e de julgamentos a que sou submetida no dia a dia. Será que, ao tornar comum essa mania "paranóica" - como dizes no texto - do julgamento, também não passo a praticar isso em relação ao outro?
E uma criança, quando incorpora a prática de ser avaliada, testada, julgada, não começa a repetir isso em outras relações?
A meu ver essa é uma questão que ultrapassa os limites dos muros da faculdade, da escola, do trabalho.
Não só repondo àqueles que me testam, mas também testo as minhas relações de amizade, as relações de amor, ou de interesse, ou de conveniência. Julgo o porteiro, o padeiro, o professor, o governo. Julgo meu pai, minha mãe, meu irmão. Aí julgo o gordo, a feia, o estrangeiro. Esse é o avesso do jogo, da brincadeira lúdica, da dança e da poesia entre as pessoas. Esse é o jogo de vencedores e vencidos.
Porque somos viciados em “certos e errados”.
Parabéns pela tua escrita!
Você é meu anti-herói!!!
te amo. mayaninha

MayrA disse...

nosso anti-herói!!!
(e nosso herói tb, afinal, a gente pôde dormir no navio quando este passava por uma forte tempestade porque a gente sabia que quem estava na direção era o nosso herói - anti - herói)...
te amo tb,
(nosso artista inventor das fitas de presente em galhos secos de árvores mortas!)